domingo, 7 de fevereiro de 2010

Internet como instrumento de defesa do cidadão

O Promotor de Justiça Rodrigo Leite Ferreira Cabral, de São João do Triunfo (PR), é autor da tese intitulada "O princípio da publicidade e o dever jurídico-constitucional de veiculação de informações sobre a administração pública na internet" (*). O trabalho foi apresentado durante o XVIII Congresso Nacional do Ministério Público, em Florianópolis (SC), em novembro último.


Sua tese tem por objetivo "fazer uma interpretação sistemática e com máxima eficácia do princípio da publicidade, exigindo-se acesso amplo e facilitado a informações sobre a administração pública, contribuindo, desse modo, para uma fiscalização mais eficiente do emprego das verbas públicas e, consequentemente, permitindo a aplicação desses recursos para a busca e implementação da paz social".

Segundo o promotor, o princípio da publicidade tem recebido no dia-a-dia uma "interpretação mesquinha": "As administrações públicas, em regra, somente têm fornecido informações ao cidadão quando há requerimento de interessados, sendo que, em muitos casos – especialmente quando se está a investigar fatos nebulosos – há negativa ao pedido de franquear informações ou, quando se fornece, há substanciais atrasos na apresentação dos documentos requeridos".

"O princípio da publicidade deve ser compreendido no sentido da existência de um dever jurídico imposto aos administradores (meros gestores da coisa pública) de dar transparência sobre o que está sendo feito pela administração, sendo que tal informação deve ser facilmente acessada", afirma Rodrigo Cabral.

No seu entender, o Ministério Público deve cobrar dos gestores da coisa pública que providenciem, no período de tempo mais curto possível, a publicação dos dados relevantes nos sítios dos respectivos entes públicos.

"Não havendo consenso, deverá o Membro do Ministério Público ajuizar Ação Civil Pública para obter judicialmente o cumprimento dos deveres jurídicos extraídos da Constituição da República", recomenda o promotor.

Eis a entrevista concedida ao Blog:

Blog - Em sua tese, o sr. defende a ideia de que a administração pública deve tomar a iniciativa de veicular informações relevantes ao cidadão, e não apenas fornecer esses dados quando solicitados. O sr. teria exemplos de instituições que atuam com eficiência, antecipando-se a eventuais demandas?

Rodrigo Leite Ferreira Cabral - Sem dúvida, os melhores exemplos de transparência pública são tirados dos países nórdicos, em que efetivamente se leva a sério a idéia de acesso facilitado a dados públicos. É um verdadeiro panóptico ao revés, em que o cidadão é que sempre observa o Estado. No Brasil, algumas administrações têm, ainda que timidamente, fornecido dados pela internet. E várias entidades defensoras da transparência têm percutido com grande impacto esse material. Basta ver os escândalos do Congresso Nacional no ano passado. O próprio site do Ministério Público do Paraná tem um substancioso volume de informações. Sempre há, porém, espaço para avançar.

Blog - A punição do administrador que deliberadamente atrasa o fornecimento de informações ou documentos ao cidadão acontece no serviço público?

Rodrigo Cabral - A Lei de Improbidade Administrativa sem dúvida autoriza a responsabilização do agente que deliberadamente atrasa o acesso a dados, pois os poderes administrativos existem única e exclusivamente para possibilitar que o agente possa cumprir o seu dever de alcançar o interesse público. Usando o administrador desse poder para fins diversos da lei, responde ele por tal ato. Veja-se que, se tal atraso se presta para embaraçar investigações, é possível inclusive o afastamento do agente de suas funções. Pessoalmente, nunca atuei em casos que tais, mesmo porque, aqui no interior, a gente resolve esse tipo de situação - quando de menor gravidade - com um telefonema. Claro que se o administrador age para ocultar informações relevantes sobre a administração deve ser seriamente sancionado, inclusive com a perda do cargo.

Blog
- A atuação do Ministério Público nessa área tem sido comum? Por exemplo: tem sido usado o termo de ajustamento de conduta para garantir maior transparência na divulgação de informações essenciais ao cidadão?

Rodrigo Cabral
- O Ministério Público tem agido pontualmente sobre tais questões. Mas a minha tese é justamente que essa atuação seja maciça e geral, no sentido de que a administração tome a frente para publicar todas as informações não gravadas de sigilo na internet. Mas não é tarefa fácil. Muitos têm muito a esconder. Daí porque é fundamental o apoio da imprensa e da população em mais essa jornada do Ministério Público.

Blog - A internet tem sido bem utilizada pelo Ministério Público em defesa do cidadão, como instrumento para garantir a maior transparência da coisa pública?

Rodrigo Cabral
- Cada vez mais o Ministério Público tem se utilizado da internet para cumprir seu papel de defesa da população, especialmente para o aglutinamento, compartilhamento e filtragem de informações. Além disso, muitas denúncias que chegam ao MP vêm via e-mail ou internet. Daí porque quanto mais transparência, mais acesso à informação e às autoridades, mais gente vai se juntar ao MP no combate contra a corrupção.

Blog - Entre as sugestões que o sr. lista em sua tese, qual poderia trazer maior contribuição ao combate à corrupção e à impunidade?

Rodrigo Cabral - É difícil prever. Mas, me parece, que a exigência da publicação dos atos na internet em software seguro como requisito de validade do ato administrativo e o sistema de cadastro de empresas interessadas em licitação (sistema push) dificultariam bastante as fraudes nos certames. Hoje fraudar licitação é tarefa banal.Parabenizo o blog por construir esse relevante canal de notícias jurídicas e mais uma vez peço aos leitores que semeiem essa idéia de transparência e provoquem as autoridades para a concretização máxima do princípio constitucional da publicidade com a veiculação dos dados da administração pública na internet.

(*) Leia a íntegra da tese.

Do Blog do Frederico Vasconcelos, Folha de Sao Paulo