quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Todos juntos (ou a miséria que é o jeitinho Brasileiro)

Antonio Prata

Coluna Folha de São Paulo 30/01/2013 - 03h00

Acho que já contei aqui a história, mas a ocasião me permite repeti-la. Eu tinha 18 anos e estava em minha primeira aula de filosofia, na USP. O professor, Renato Janine Ribeiro, nos explicava que no fim do semestre seríamos avaliados por um trabalho individual, cujo limite deveria ser de 8.000 caracteres. Levantei a mão: "Se estourar um pouquinho esse limite, tudo bem, né?". Janine sorriu e disse algo mais ou menos assim: "O que é 'limite'? É aquilo que não se pode transpor. Mas vejam como são as coisas no Brasil: entre nós, o limite não limita! Repito: o limite é de 8.000 caracteres".
Peço perdão ao filósofo se as palavras não foram exatamente essas. Assim, porém, é que ficaram gravadas na minha memória e é assim que me voltam, quase todo dia, quando me deparo com a nossa ilimitada necessidade de burlar a lei.

Há uma altura máxima para prédios na rota do aeroporto, mas o empreiteiro constrói um "puxadinho", alguns metros acima. A construtora precisa botar de tantos em tantos metros, sob o concreto da rodovia, umas ripas de metal, mas economiza dinheiro aumentando a distância entre elas. Quantas pessoas que compraram a carta de motorista você conhece? Que têm gato de TV a cabo? Que já subornaram um guarda de trânsito para não ser multado? O avião vai decolar, o comissário de bordo pede para desligarem os celulares, mas o sujeito o ignora solenemente. O avião pousa, o comissário pede aos passageiros para que aguardem sentados até o "apagar do aviso luminoso de atar cintos", mas todo mundo levanta. Não um, não dois: todo mundo --como se respeitar aquele simples sinal luminoso equivalesse a ter a palavra otário escrita na testa. 

Um sinal luminoso também piscou na cabine do Fokker 100 da TAM, que taxiava na pista de Congonhas na manhã de 31 de outubro de 1996, alertando sobre um problema no reverso da turbina. O piloto o desligou. O luminoso piscou novamente, novamente foi desligado. Segundo o depoimento de outro piloto, dias mais tarde, esse era o costume: se fossem dar atenção a todo alarme que soava na cabine, nenhuma aeronave saía do chão. Às vezes, ao que parece, alarmes soam à toa. Às vezes, não: 24 segundos depois de decolar, o avião caiu, matando 99 pessoas.

Eu estava saindo para a USP, naquela manhã, quando o telefone tocou. Uma amiga do meu pai queria saber se era verdade que meu tio Duda, irmão da minha mãe e meu padrinho, estava entre os passageiros. Liguei a televisão. Vi a lista. Era verdade.

Nas próximas semanas, o Brasil concentrará suas energias em encontrar os culpados pela tragédia de Santa Maria. É fundamental, se houver culpados (como parece ser o caso), que eles sejam punidos. É fundamental que as casas de show passem por reavaliações, como já estão passando. Mas se não mudarmos a nossa mentalidade, se não entendermos que as leis são universais, que há procedimentos que precisam ser executados conforme as regras, sem jeitinho, sem gambiarra, em TODAS as esferas, por TODAS as pessoas, as tragédias continuarão acontecendo --e a morte é um limite que nós, brasileiros, por mais espertos que nos julguemos, não somos capazes de transgredir.

antonioprata.folha@uol.com.br

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Consumo de tipo de açúcar pode aumentar fome

02/01/2013 - 04h57

REINALDO JOSÉ LOPES
Folha de São Paulo, EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"
Um tipo de açúcar muito usado pela indústria de alimentos parece estimular ligeiramente as áreas do cérebro ligadas à vontade de comer, em vez de sinalizar que já é hora de diminuir a ingestão de calorias, indica uma nova pesquisa.

Se o resultado estiver correto, fica mais forte a ideia de que parte importante da culpa pela atual epidemia de obesidade mundial seria do uso indiscriminado de frutose, molécula que está presente nos sucos de fruta, no xarope de milho e em muitos outros produtos da indústria alimentícia, principalmente da americana.

A nova pesquisa, publicada no "Jama", periódico da Associação Médica Americana, foi coordenada por Robert Sherwin, da Universidade Yale (EUA), e tem como coautora a médica brasileira Renata Belfort-DeAguiar.

Num experimento bastante simples, a equipe submeteu um grupo de 20 adultos sadios (metade homens e metade mulheres), com idade média de 31 anos, a duas sessões de ressonância magnética funcional.

Primeiro, a atividade cerebral dos voluntários era medida sem intervenção nenhuma, para ter uma ideia de seu estado "normal" durante o jejum (as pessoas chegavam ao laboratório às 8h, ainda sem tomar café da manhã).

Depois, cada participante recebia 300 ml de uma bebida adocicada. A diferença é que, em metade dos casos, a bebida continha 75 gramas (ou 300 calorias) do açúcar glicose, enquanto nos outros casos o "adoçante" usado tinha sido a frutose, na mesma proporção.

Já há várias pistas de que a frutose atua de forma diferenciada sobre o organismo. Bem mais doce do que a glicose, a molécula estimula apenas ligeiramente a produção de insulina, hormônio que, além de coordenar o metabolismo de açúcar, também ajuda o organismo a entender quando já comeu o suficiente. O mesmo parece valer para outros hormônios e moléculas sinalizadoras ligadas à sensação de saciedade.

Ao analisar o cérebro dos voluntários durante a nova pesquisa, os cientistas de Yale prestaram atenção especial ao hipotálamo, região cerebral especialmente ligada ao controle do apetite. E o que eles viram parece dar peso ao suposto papel de vilão da frutose no aumento de peso.

Editoria de Arte/Folhapress
SACO SEM FUNDO Cérebro não fica saciado com o açúcar frutose
SACO SEM FUNDO Cérebro não fica saciado com o açúcar frutose
DIFERENÇAS
 
Cerca de 15 minutos após a ingestão das bebidas doces, por exemplo, quem bebeu glicose teve uma redução significativa da atividade do hipotálamo (medida pelo fluxo sanguíneo nessa região do cérebro)- era como se o sinal de "estou com fome" tivesse diminuído.

Já a ingestão de frutose nem fez cócegas no hipotálamo, ao menos nesse primeiro momento. Aliás, o que os pesquisadores observaram foi um aumento pequeno e passageiro da atividade dessa área cerebral.

A reação das regiões do órgão que estão mais conectadas ao hipotálamo em seu papel de regulador do apetite também variou consideravelmente na comparação entre bebedores de glicose e bebedores de frutose.

O resultado parece ser favorável à ideia de que é preciso reduzir o teor de frutose nos alimentos industrializados- esse açúcar é muito usado para melhorar o sabor da comida, em especial em países como os EUA.

Os pesquisadores alertam, no entanto, que mais estudos são necessários para determinar com precisão as implicações clínicas dos achados.