segunda-feira, 11 de junho de 2012

Agronegócio, mudanças climáticas e palestras de Molion

A Negação das Mudanças Climáticas e a Direita Organizada - Parte 3 - E o Professor Molion?
por Alexandre Araújo Costa
Ricardo Felício fez aparição meteórica no programa do Jô Soares e, naturalmente, não se sabe que alcance isso pode ter em termos de sua carreira de militante negador. Como mostramos em dois textos anteriores - A Negação da Mudança Climática e a Direita OrganizadaA Negação das Mudanças Climáticas e a Direita Organizada - Parte II -, em termos acadêmicos, trata-se de alguém com atuação evidentemente limitada, trajetória que não demonstra produtividade acadêmica. Desnudamos, porém, sua vinculação com a direita organizada, seja através da MSIa, seja via colaboração direta com o site Mídia@Mais  - que, por sinal, é citado, no Lattes de Ricardo Felício, como um dos locais em que ele, deixando de lado, é claro, a conotação acadêmica do termo, "publica".
Evidentemente Ricardo Felício não é o único negador brasileiro. Atuante há bem mais tempo, com bem mais trânsito na comunidade acadêmica, ainda envolvido de certo modo com a Meteorologia, através do Departamento da UFAL ao qual é vinculado, o principal negador brasileiro continua a ser o velho Luis Baldicero Molion. Aliás, algumas pessoas me indagaram exatamente como consta no título deste texto: "E o Prof. Molion?". Objetivamos, aqui, responder a tal pergunta.
Molion é bastante conhecido na comunidade brasileira de Meteorologia. Sempre foi afeito a posições excêntricas e teses que cientificamente poderiam ser chamadas, no mínimo, de marginais (como a influência de vulcões submarinos sobre o El Niño-Oscilação Sul). Sempre foi tido como controvertido e polemista na comunidade. Conhecendo Molion há mais de uma década e meia, isso, porém, parecia ser até um traço simpático. Quero, portanto, deixar claro que este texto, longe de pretender atacá-lo do ponto de vista pessoal, tem como objetivo expor as movimentações de Molion para além do mundo acadêmico, e que evidentemente levarão à conclusão de que qualquer ilusão de isenção de suas opiniões seria condescendência para com ele.
Sabe-se que o professor da UFAL tem ministrado um sem-número de palestras nos últimos anos, sempre dedicadas ao mesmo tema, isto é, combater o consenso científico em torno do papel antrópico sobre as mudanças observadas no sistema climático. Não é meu objetivo, neste breve texto, abordar as questões de mérito, o que fiz com relativo aprofundamento em A Negação da Mudança Climática e a Direita Organizada e em diversos posts em minha página no Facebook, mas devo frisar que, longe de representar um negador mais sofisticado, Molion também é grosseiro e desrespeitoso em seus ataques ao restante da comunidade, e não preza pela coerência científica, fazendo uso do amálgama variado e inconsistente de pseudoargumentos negacionistas. Num momento, negando todos os dados observados, diz que não há aquecimento, mas resfriamento; noutro, afirma que há aquecimento, mas que este não é antrópico e que - contrariando novamente tudo que foi medido nas últimas décadas - é um efeito do sol; ou ainda, que estamos diante de algo benéfico.
Sobretudo essa combinação de isentar os fatores antrópicos e de afirmar que o aumento da concentração de CO2 é benéfico tem caído como uma luva para que Molion transite confortavelmente junto a um público específico: o do agronegócio e do ruralismo. Afinal, se a pecuária não contribui com emissões de metano e se as emissões de dióxido de carbono (e também de metano) associadas ao desmatamento não são um problema, o discurso de Molion representa um tipo de armadura e escudo pseudocientífico de que o agronegócio precisa. Afinal, se ninguém consegue defender os ruralistas dos crimes perpetrados contra trabalhadores rurais e ambientalistas; se a concentração de terra e de renda no campo continua sendo uma mácula revoltante desde os tempos das capitanias em um Brasil que nunca fez uma Reforma Agrária de verdade; se o uso massivo de agrotóxicos e o envenenamento cotidiano de nossas mesas também desperta antipatia do grande público... pelo menos com os argumentos "moliônicos", o agronegócio e os reis do gado e soja ficam livres de acusações quanto à questão do clima...
E, de fato, Molion tem falado muito para esse público. Em 24 de junho de 2008, palestrou no Seminário Cooplantio, divulgado pela Rádio Rural neste link. Outra entrevista foi realizada junto à Associação Nacional dos Sindicatos Rurais  das Regiões Produtoras de Café e Leite (SINCAL) - disponível neste link. Em 30 de março de 2009, profere outra palestra, na Fenicafé 2009, com o “tema” “Aquecimento global: mitos e verdades. Quais os efeitos para a agricultura?” Nessa oportunidade, afirmou que “o aquecimento global é totalmente questionável e amparado em imbecilidades" - disponível neste link. Em 1º de fevereiro de 2010, concede entrevista que foi divulgada como: “Prof. Molion desfaz falsas acusações contra a pecuária”, em MFRural, site que se autoapresenta como “um site desenvolvido com a finalidade de facilitar as negociações e promover o encontro entre produtores rurais”. Na home, a chamada é MF Rural - O Agronegócio passa por aqui! Em 26 de março de 2010, ministrou palestra patrocinada pela Câmara especializada de Agronomia do CREA-RJ. Na chamada, no site disponível aqui, dizem que “o alarmismo ambientalista, assim como o multiculturalismo, o antitabagismo e a "anti-homofobia", é hoje uma das principais armas utilizadas na construção do poder mundial”. Em 11 de fevereiro de 2011, foi a vez de apresentar-se no Conselho Federal de Medicina Veterinária. Neste, Molion diz exatamente o que o público-alvo quer ouvir, afirmando que “a Pecuária, uma das principais atividades econômicas do Brasil, na qual a Medicina Veterinária e Zootecnia atuam diretamente, sofre uma penalização excessiva como agente causador de poluição”. O site complementa, afirmando que, “De acordo com dados de Molion, a relação não pode ser justificada, já que os rebanhos estão em crescimento, com aumento de 17 milhões de ruminantes ao ano e, no mesmo período, as taxas de metano seguem estáveis”.
Imbatível mesmo seria o que estava por vir em poucos dias. Em 26 de maio de 2012, conforme divulgação neste link, Molion palestraria na XV Assembleia do Foro do Brasil - organização de direita cujos ataques à Comissão da Verdade, à constitucionalidade das cotas, à “ofensiva indigenista” e cuja defesa do agronegócio e do novo Código Florestal não deixam dúvidas de se tratar do mais duro e radical neofascismo tupiniquim. O site anuncia, altissonante, que "você terá oportunidade de saber como os conceitos de aquecimento global e poluição pelo CO2 são uma grande farsa que movimenta bilhões de euros, beneficiando empresas e ongs" e que "conhecerá muitas das verdades e a história desse crime que está sendo cometido".
Em 31 de março (atentem para a data), o Foro do Brasil tinha a ideia de fundar o Partido Ordem e Progresso (POP) - disponível neste link. Refere-se à “Começão da Inverdade”, para defender torturadores e assassinos. Os links do Foro do Brasil, claro, não poderiam deixar de incluir a Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, o blog do conhecido direitista, ator Carlos Vereza, o Cavaleiro do Templo, o Levante-se Brasil, os delirantes do Verde: A Nova Cor Do Comunismo, o site da Monarquia e, é claro, o indefectível Mídia sem Máscara (daquele pessoal maluco que diz que a Globo e toda a mídia são de esquerda, que a universidade é toda comunista, etc.) e outros desse naipe.
Novamente fica claro: há sempre algo por trás do discurso negador das mudanças climáticas, da postura de ignorar todas as evidências concretas, de passar por cima de tudo o que se conhece até de leis da Física, dos ataques grosseiros e virulentos à comunidade científica e da tentativa de gerar descrédito junto à opinião pública em relação à Ciência e aos Cientistas. Quem trabalha realmente em busca da verdade científica disputa seu ponto de vista fazendo valer o método. Coleta dados, faz experimentos, desenvolve e usa modelos. Escreve artigos que, se estiverem corretos metodologicamente, serão apreciados e podem servir de evidência. Se aquilo que Molion traz ao que ele chama de debate realmente fossem hipóteses científicas, ele teria bastante espaço. A comunidade ainda tem por ele, até de forma condescendente, apreço e respeito (pela pessoa, eu tenho, mas pela conduta, não). Quatro dias após acusar a todos nós de farsantes e desonestos, num evento da extrema-direita, Molion foi chamado para  discutir sobre Extremos Climáticos, Zona Costeira e Semi-Árido, num evento em Natal, do qual também participarei, sobre Mudanças Climáticas e Vulnerabilidade. Molion seria ouvido na comunidade, se sua postura fosse de fidelidade ao método científico. Mas, assim como no caso de Ricardo Felício, a ciência anda longe. Há muito foi abandonada, em nome da agenda política. O agronegócio e os neofascistas, obviamente, aplaudem.
Alexandre Araújo Costa é bacharel e mestre em Física pela Universidade Federal do Ceará, Ph.D em Ciências Atmosféricas pela Colorado State University, com pós-doutorado pela Universidade de Yale. Possui publicações em diversos periódicos científicos, incluindo-se Science, Journal of the Amospheric Sciences e Atmospheric Research. É bolsista de produtividade do CNPq e membro do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.