quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Compra de votos e governabilidade

18/10/2012 - 03h30

Tendências/Debate:

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
A afirmativa de que os fins justificam os meios sempre foi vista como antiética. Todavia, em nosso cotidiano, vemos exemplos claros dessa prática, que não censuramos.

Quando Fernando Henrique Cardoso foi pela primeira vez eleito presidente, José Serra, então seu fiel escudeiro, perguntado por um repórter se estaria preocupado com a "governabilidade", respondeu que não, pois dispunha-se de 20 mil cargos.

Entenda-se que estes cargos seriam distribuídos para obter governabilidade, o que significa apoio no Congresso, em votações que fossem de interesse do Executivo. Ou seja, governabilidade por distribuição de cargos não seria apenas um eufemismo para compra de votos?

Um desses cargos sem concurso corresponde a um salário entre R$ 5.000 e R$ 15.000 por mês, digamos uma média de R$ 130 mil por ano. Os 20 mil cargos durante um mandato de quatro anos somam R$ 10 bilhões. Frente a tal valor, o total do mensalão é uma ninharia.
Ora, o professor José Serra estaria dizendo que dispunha dessa imensa quantia de dinheiro público para comprar governabilidade --ou seja, apoio em votações de interesse do governo. Será que isso é diferente, em sua essência, da compra de votos como interpretada pela STF no caso do assim chamado "mensalão"?

Uma outra forma generalizada de "compra de governabilidade" é através das chamadas emendas parlamentares. Consideremos para ilustração o seguinte exemplo: ainda no primeiro mandato de Fernando Henrique, foi formada uma comissão mista do Congresso para aprovar o contrato que suportaria a implantação do "Sivam" (Sistema de Vigilância da Amazônia).

Fui escalado para representar a oposição ao projeto. O contrato com o Eximbank que forneceria e forneceu os recursos atribuía ao Brasil apenas a responsabilidade das obras civis, conferindo às indústrias dos Estados Unidos e da Europa a confecção de todos os equipamentos, embora já existisse uma indústria nascente brasileira no setor.
A intenção de sonegação de transferência de tecnologia para o Brasil ficava óbvia em um artigo do contrato que dizia que se qualquer equipamento não pudesse ser produzido nos Estados Unidos, ele poderia ser encomendado em qualquer outro país, exceto o Brasil.
Essa obscenidade teria sido suficiente para que qualquer parlamentar com um mínimo de patriotismo, para não dizer dignidade, repudiasse a proposta americana.

Pois bem, o projeto foi aprovado sem objeções. Na semana seguinte, a Folha publicou a relação de emendas parlamentares liberadas imediatamente após a votação e os respectivos nomes dos congressistas que tinham votado favoravelmente. O único critério para as ditas liberações foi, inquestionavelmente, o voto favorável, ou seja, votos foram comprados com dinheiro público.

Esses e outros múltiplos dispositivos, igualmente inquinados, são generalizadamente adotados igualmente por impolutos e ímpios políticos no Brasil. Apenas não são tão explícitos como aquele do dito mensalão, pois sabem manter as aparências. À mulher de César basta parecer honesta.

Que a simplista exposição aqui apresentada não seja entendida como escusa aos atos dos assim chamados mensaleiros, mas antes como alerta para a sociedade a respeito das múltiplas e corruptas formas, já banalizadas, de compra de voto que frequentam o Congresso.
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 81, físico, é professor emérito da Unicamp, pesquisador emérito do CNPq e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha

Corrupção emperra economia

18/10/2012 - 03h30

Tendências/Debates:

ROBERTO ABDENUR
A corrupção é fator subjacente a múltiplas distorções na economia. Leva à redução de receita e ao aumento do gasto público. Causa prejuízos à sociedade, priva os mais pobres de políticas públicas e agrava as desigualdades sociais. Provoca perda de competitividade das empresas. Fortalece a cultura da leniência e a conivência com situações de transgressão.

Na sua definição mais sucinta, corrupção é o uso de uma posição pública para benefício privado. Para prevenir a ação de corruptores e corruptos, deve-se inicialmente analisar os fatores que contribuem para a corrupção.

No Brasil, os principais "gatilhos" residem na burocracia, alta carga tributária, complexidade para o pagamento de tributos, percepção de impunidade e falta de consciência da sociedade sobre a ética nos negócios.

O custo da corrupção pode ser mensurável. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) calcula que se um país perde US$ 1 milhão em recursos desviados de seu destino, o prejuízo para a economia como um todo é de US$ 3 milhões. Isso porque a perda não se resumo ao recurso não aplicado. O país fica também sem o que poderia resultar em atividade econômica decorrente dele.

Além disso, o impacto sobre a economia não se dá apenas no plano interno. A imagem externa do país pode ser prejudicada, afastando investidores e credores.

De acordo com ranking de percepção sobre corrupção organizado pela Transparency International, o Brasil está em 73º lugar, entre 180 países. Tal situação também chamou a atenção do Banco Mundial. Otaviano Canuto, vice-presidente e diretor da entidade para a Redução da Pobreza e Administração Econômica, lembra que a prevenção é feita com três pontos básicos: fortalecimento de instituições, transparência e prestabilidade de contas.
Nesse sentido, o Brasil avança com Lei de Responsabilidade Fiscal, com o Portal da Transparência e com a lei 8.666, que determina que empresas inidôneas não podem ser contratadas por nenhum órgão do governo.

A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que cria Conselhos de Ética nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais significará um grande salto no caminho da transparência.

Também tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 6826/10 (Lei Anticorrupção), que estabelece punições às empresas que praticarem atos ilícitos contra a administração pública. Como lembra o deputado Carlos Zarattini, relator do PL, entre 34 países estudados pela OCDE, o Brasil um dos três que não têm legislação específica para punir corruptores.
Outra via possível é a legalização do lobby. O Congresso abriga hoje onze projetos de lei sobre isso. Com o lobby legalizado, conquistas de um setor específico poderão ser compartilhadas com todos os outros setores da economia.

Um ambiente de concorrência desleal e de opacidade nas relações estimula a corrupção. Medidas sérias e articuladas na direção da transparência e da democracia, como as aqui enumeradas, entre tantas outras, são os maiores trunfos para acabar com as "facilidades" e criar um ambiente propício ao desenvolvimento econômico e social. Saudável e sem corrupção.
ROBERTO ABDENUR, 70, é diplomata e presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Transgênicos aumentam em até três vezes ocorrência de câncer em ratos

transgenicos ratosPela primeira vez na história foi realizado um estudo completo e de longo prazo para avaliar o efeito que um transgênico e um agrotóxico podem provocar sobre a saúde pública. Os resultados são alarmantes.

O transgênico testado foi o milho NK603, tolerante à aplicação do herbicida Roundup (característica presente em mais de 80% dos transgênicos alimentícios plantados no mundo), e o agrotóxico avaliado foi o próprio Roundup, o herbicida mais utilizado no planeta – ambos de propriedade da Monsanto. O milho em questão foi autorizado no Brasil em 2008 e está amplamente disseminado nas lavouras e alimentos industrializados, e o Roundup é também largamente utilizado em lavouras brasileiras, sobretudo as transgênicas.
O estudo foi realizado ao longo de 2 anos com 200 ratos de laboratório, nos quais foram avaliados mais de 100 parâmetros. Eles foram alimentados de três maneiras distintas: apenas com milho NK603, com milho NK603 tratado com Roundup e com milho não modificado geneticamente tratado com Roundup. As doses de milho transgênico (a partir de 11%) e de glifosato (0,1 ppb na água) utilizadas na dieta dos animais foram equivalentes àquelas a que está exposta a população norte-americana em sua alimentação cotidiana.

Os resultados revelam uma mortalidade mais alta e frequente quando se consome esses dois produtos, com efeitos hormonais não lineares e relacionados ao sexo. As fêmeas desenvolveram numerosos e significantes tumores mamários, além de problemas hipofisários e renais. Os machos morreram, em sua maioria, de graves deficiências crônicas hepato-renais.

O estudo, realizado pela equipe do professor Gilles-Eric Séralini, da Universidade de Caen, na França, foi publicado ontem (19/09) em uma das mais importantes revistas científicas internacionais de toxicologia alimentar, a Food and Chemical Toxicology.

Segundo reportagem da AFP, Séralini afirmou que "O primeiro rato macho alimentado com OGM morreu um ano antes do rato indicador (que não se alimentou com OGM), enquanto a primeira fêmea, oito meses antes. No 17º mês foram observados cinco vezes mais machos mortos alimentados com 11% de milho (OGM)", explica o cientista. Os tumores aparecem nos machos até 600 dias antes de surgirem nos ratos indicadores (na pele e nos rins). No caso das fêmeas (tumores nas glândulas mamárias), aparecem, em média, 94 dias antes naquelas alimentadas com transgênicos.

O artigo da Food and Chemical Toxicology mostra imagens de ratos com tumores maiores do que bolas de pingue-pongue. As fotos também podem ser vistas em algumas das reportagens citadas ao final deste texto.

Séralini também explicou à AFP que "Com uma pequena dose de Roundup, que corresponde à quantidade que se pode encontrar na Bretanha (norte da França) durante a época em que se espalha este produto, são observados 2,5 vezes mais tumores mamários do que é normal".

De acordo com Séralini, os efeitos do milho NK603 só haviam sido analisados até agora em períodos de até três meses. No Brasil, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) autoriza o plantio, a comercialização e o consumo de produtos transgênicos com base em estudos de curto prazo, apresentados pelas próprias empresas demandantes do registro.

O pesquisador informou ainda que esta é a primeira vez que o herbicida Roundup foi analisado em longo prazo. Até agora, somente seu princípio ativo (sem seus coadjuvantes) havia sido analisado durante mais de seis meses.

Um dado importante sobre esse estudo é que os pesquisadores trabalharam quase que na clandestinidade. Temendo a reação das empresas multinacionais sementeiras, suas mensagens eram criptografadas e não se falava ao telefone sobre o assunto. As sementes de milho, que são patenteadas, foram adquiridas através de uma escola agrícola canadense, plantadas, e o milho colhido foi então “importado” pelo porto francês de Le Havre para a fabricação dos croquetes que seriam servidos aos ratos.

A história e os resultados desse experimento foram descritos em um livro, de autoria do próprio Séralini, que será publicado na França em 26 de setembro sob o título “Tous Cobayes !” (Todos Cobaias!). Simultaneamente, será lançado um documentário, adaptado a partir do livro e dirigido por Jean-Paul Jaud.

Esse estudo coloca um fim à dúvida sobre os riscos que os alimentos transgênicos representam para a saúde da população e revela, de forma chocante, a frouxidão das agências sanitárias e de biossegurança em várias partes do mundo responsáveis pela avaliação e autorização desses produtos.

Com informações de:

Etude unique, la plus longue et la plus détaillée sur la toxicité d'un OGM et du principal pesticide
– CRIIGEN, 19/09/2012.

EXCLUSIF. Oui, les OGM sont des poisons !
– Le Novel Observateur, 19/09/2012.

Estudo revela toxicidade alarmante dos transgênicos para os ratos
-
AFP, 19/09/2012.

Transgênicos matam mais e causam até três vezes mais câncer em ratos, diz estudo
– UOL, 19/09/2012.

Referência do artigo:

"Long term toxicity of a Roundup herbicide and a Roundup-tolerant genetically modified maize". Food and Chemical Toxicology, Séralini G.E. et al. 2012.

(*) Matéria reproduzida do boletim 601 da campanha Por um Brasil Ecológico, Livre de Trasngênicos e Agrotóxicos. Foto: Reprodução.