segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Burocracia cria desnecessário Custo Ciência Brasil

Cientistas, diferentes de muitos outros servidores públicos, são figuras fáceis de auditar, porque seu maior capital é justamente seu nome. Reconhecendo este fato simples, e atendendo a demanda de uma atividade essencial para a colocação do País em condições de igualdade numa era de acirrada competição global, o MARE (o extinto ministério da administração e da reforma do Estado) solicitou e obteve em 1998 do congresso aprovação para uma alteração na lei das licitações, incluindo o seguinte texto:

/Lei 8.666, Artigo 24 (da dispensa de licitação), inciso XXI - para a aquisição de bens destinados exclusivamente a pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos pela CAPES, FINEP, CNPq ou outras instituições de fomento a pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim específico (redação dada pela lei no 648/98)./

Quem está acostumado com o dia a dia da administração de ciência sabe que para o establishment jurídico/burocrático público este dispositivo libertador da lei geral das licitações, é letra morta, não tem valor prático. Como resultado, toda a comunidade cientifica Nacional fica submetida a um processo burocrático de aquisição de bens e serviços que é ao mesmo tempo arcaico, ineficiente e altamente inapropriado aos projetos de pesquisa que dependem de presteza nas aquisições para se viabilizarem. Atônitos com o que parecia ser um ato arbitrário e ilegal do establishment jurídico/burocrático consultamos informalmente o Ministério Publico Federal.A resposta nos deixou ainda mais atônitos: aparentemente trata-se de um dogma jurídico amplamente difundido e seguido à risca por juristas e administradores, de que se a lei não explicita, então a interpretação legal é conservadora e restritiva. Em outras palavras, se a lei não especificou "o que" pode ser adquirido para a ciência e tecnologia sem licitação, então /nada/ pode ser adquirido sem licitação.
A pessoa no Ministério Público que consultamos pareceu compreender nosso espanto, foi simpática à causa científica e sugeriu que a melhor forma de remover este desnecessário custo ciência Brasil seria ir de novo ao legislativo e obter dos legisladores uma nova alteração do dispositivo que dispensa a ciência e tecnologia de licitações. Só que agora incluindo de maneira explicita todos os bens e serviços que poderiam ser dispensados de licitação. Passamos então imaginar os nossos políticos debruçados sobre uma lei já alterada por eles em 98, somente para adequá-la às exigências do dogma jurídico prevalente. Seria hipoteticamente mais ou menos como:

/Nova redação (Junho/2010), Lei 8666, artigo 24, inciso XXI,
anexo I, *bens e serviços autorizados para aquisição sem licitação para a ciência e tecnologia*:

-citokinona 30 mg vial (e mais 65 mil reagentes, todos listados por nome e apresentação)
-laser emitting diode 327 um (e mais 30 mil componentes eletrônicos, todos listados por nome, aplicação e propriedades)
-atomic absorption analyser (e mais 2500 instrumentos para analise, todos com especificação)
-HPLC controller ( e mais 350 mil componentes para instrumentos, todos devidamente especificados)
-DNA sequencing plates (e mais 8000 aparatos, sempre sem esquecer a justificativa e aplicação)
-IDL processing package (e mais 800 pacotes de software, novamente, sem esquecer as especificações)
-mateiros em Eurinepe, AM (e em mais 5 mil municípios, todos listados)
-consultor em biosimbiótica ( e mais 4000 disciplinas, especialidades e sub-especialidades)
-tecnologista junior em luz síncrotron (e mais 7827 especialidades, todas devidamente explicitadas)
-analise de espectro gama ( e mais 58244 diferentes tipos de analises espectroscópicas)
-analise de sangue de tatu ( e mais 80 mil diferentes analises de materiais biológicos, todas devidamente especificadas)
/

Tal lista, de absurda e inviável mais parece parte de uma opera bufa. Mas mesmo supondo que alguém com tempo e disposição se desse ao trabalho de construí-la, novos reagentes, analisadores e especialidades surgem todo dia nesta atividade humana que por excelência inventa, descobre e cria. Como manter a lista atualizada, para que as novidades não sejam cortadas pela mesma interpretação restritiva do dogma jurídico prevalente?

À justiça compete a imparcialidade. É compreensível que, em uma cultura lasciva em relação à ética pública e à honestidade administrativa, exista mais cadeados nos cofres públicos. Compreensível, portanto, a origem do dogma jurídico que hoje é um dos principais responsáveis pelo custo ciência Brasil. Mas se não quisermos nos condenar ao atraso cientifico e tecnológico é urgente confrontar a interpretação restritiva da lei.Não está explicito na lei que podemos respirar, nem por isso somos proibidos de fazê-lo. Mas está sim explicito na lei que a ciência e tecnologia podem adquirir bens e serviços sem licitação, visando à eficiência do setor. Em um País onde um poder (justiça) se sente na obrigação e autorizado a anular a ação, expressa na lei, de outros dois poderes (executivo e legislativo), simplesmente pela observância automática de um dogma jurídico, sem análise de caso, sem levar em conta o beneficio da sociedade, então nos parece que este é um País disfuncional.

Colocar um crédito de confiança nos cientistas, como faculta a interpretação livre da lei 8666, significa investir no avanço necessário que beneficiará toda a sociedade. Digite no google o nome de qualquer membro da comunidade Brasileira de ciência e tecnologia seguido da palavra Lattes e em segundos o currículo on-line listando toda a vida profissional desta pessoa estará a disposição. Qual outra atividade do setor público tem sua produção nominal, e pessoal, postada na internet? Quais juizes ou administradores têm seu currículo ou produtividade postados para a sociedade ver? Assim, distinto de outros setores da administração pública, para a ciência não existe forma melhor de auditoria do que cobrar resultados. Quem, depois de lutar as vezes duramente para conseguir financiamento, usará mal um dinheiro de pesquisa? Mas se assim o fizer, provavelmente não terá resultados para mostrar, e rapidamente estará excluído do sistema de financiamento. Aí está nosso maior controle, é desta forma que o dinheiro público investido em pesquisas e desenvolvimentos vai ser de fato valorizado.

Já quando a competência cientifica que o País desenvolveu com investimentos de décadas é nivelada por baixo, pela tabula rasa da desonestidade que grassa no setor público, o custo Ciência Brasil, este sim, limita e mesmo impede pesquisas vitais. Pesquisadores respeitados e brilhantes acabam, somente por isso, apresentando produção muitas vezes pífia. O dogma jurídico, que existiria para impedir a roubalheira, garante a ineficiencia, é um dos piores algozes da inovação e, a ironia maior, não consegue impedir roubos, como o noticiário nos da conta quase todo dia.

O apelo claro deste argumento deveria colocar a racionalizacao das licitacoes para os cientistas nao como privilegio consagrado em lei, mas como um exemplo poderoso de que merito verificado e transparente simplifica a administracao publica e garante resultados palpaveis para a sociedade. Coloque-se todas as transacoes e meritos envolvidos dos procedimentos de utilizacao de dinheiro publico na internet, como ja se faz com a ciencia, e uma nova etica surgira, liberando juristas e administradores da funcao menos nobre e incapacitante que tem sido a geracao continua de impedimentos e cadeados, que sufocam a sociedade.

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